Poemas
Anielson Ribeiro
tudo que é breve leva mil léguas para chegar
nós devíamos estar vivendo um pouco. mas
isso já está suspenso há algum tempo. afinal,
ausência só é ausência quando sentida.
e nosso futuro jaz perdido em lugar-nenhum.
como posso chamar isso então? quando tudo isso acabar
nossos abraços serão mais longos e acompanhados
de lágrimas e copos de cerveja. as pessoas vão
querer dizer ou ouvir dizer qualquer coisa canalha
para que sequer haja espaço para a quietude no recinto
fala falo mal pau porra
quando tudo isso acabar poderei usar
meu melhor sorriso o qual estive ensaiando
para não atrofiar. quando tudo isso acabar
ainda não saberei nomear minha época.
jesus ainda estará a caminho; o muro de Berlim
terá caído; a bolsa de valores terá caído.
quando tudo isso acabar meu país ainda será
um túmulo recoberto de paranoia. van gogh
ainda terá decepado sua orelha; anne frank
terá escrito um diário & eichmann ainda terá tido filhos
quando tudo isso acabar. mas então como distinguir
o que é fim e o que é caminho?
quando tudo isso acabar. repita comigo:
“q u a n d o t u d o i s s o a c a b a r”:
a esperança será nossa sentença
a agonia, nosso recesso.
o entrave
você se senta na minha cadeira
no meio do estresse
de uma tarde de quinta-feira
tua silhueta se enquadra
na sombra da árvore
que invade a sala
numa mão inaugura um livro
noutra, segura um copo de café requentado
estende as pernas sobre a estante
projetando sua própria sombra
em meu corpo repousado no chão
árido e perolado
sinto que estou numa cela
do tamanho da europa
cartografias
os endereços foram feitos para esquecer
a sorte no desejo de lembrar
que há sempre alguém ao lado
as casas parecem perdidas no céu turvo de março
as luzes acolhem os insetos que vagam sem destino
as ruas estão dispostas ao erro dos pés que ousam pisá-las
os solitários não se cruzam
nem sequer existe o risco de encruzilhadas
para que até o diabo ande acuado
a tristeza flutua entre os pensamentos
e pesa sobre a atmosfera
esta paisagem não muda nunca
e eternamente
as casas parecem perdidas
e os solitários são os mais fáceis de se encontrar
tijolo por tijolo_
berlim continua dividida
mesmo sem o fantasma
de nikita krushchev
a rondar a europa
pois muros se erguem
como se erguem torres de babel:
entre a cidade e a cidade
não entre uma e outra
dito isso
você acha que a china
realmente tem potencial
de suster dois sistemas econômicos?
o oriente não pode rir sem avisar
paris é a festa
enquanto os trópicos
permanecem tristes
a distância edifica novas formas
que impedem toda nova aurora de surgir
das quais a ausência é mais terrível
descubro isso enquanto risco seu nome
mas há sempre brechas
toda estrutura é constituída também com falhas
até mesmo a sintaxe, a alegria
e o pôr-do-sol no ocidente.
***
penso em ti como numa força material
porque minha memória
é uma velha desdentada
e tá sempre meio perdida
entre o tesão e a ditadura
não conheço muitas das coisas
que se agitam aí dentro
mas sei que nada anda muito fácil
até mesmo sorrir
principalmente, talvez
e às vezes algumas lágrimas
parecem cair bem onde o calo dói
eu sei que a noite é mais fria por dentro
e algumas palavras surgem em delay
sei que a felicidade e as horas
tão sempre nesse pé de guerra
nessa fome de cão
mas sei também que assim
armada até os dentes
não há mundo que possa te engolir
o observatório
sonho apodrecido
no centro fumegante
do cometa do século de Câncer
acoberta a notícia dos que aprendem com a queda
a lição dos anjos
um dia
vou chegar pra vocês
e sorrir travesso
a tua arquitetura ruirá
podem erigir mil edifícios morais burgueses
ou poemas neodadaístas
feitos para o mercado especulativo
mas o dilúvio vem rugindo
como um coração selvagem
perto daquele arco-íris estilhaçado
perto demais de nós
o ano sabático das palavras
pássaros voam sob um céu calmo
depois do primeiro grito
atrás destas paredes
Sobre o Autor
nasceu em Juazeiro, Bahia, em 1994. 26 anos de sertão nordestino. Poeta antidadaísta. Tem formação em Língua Portuguesa e suas Literaturas (UPE). Sobrevive de empregos mal remunerados desde que professor se tornou uma profissão liberal. Vive o atravessamento na inconsistência das fronteiras interestaduais entre Petrolina (PE) e Casa Nova (BA). Perante todo esse tumulto de idas e vindas, ganhos e perdas: escreve. E isso reverbera em sua escrita. Tem textos publicados em diversas revistas, como mallarmargens, Ruído Manifesto, Amaité poesias & cia, LavraPalavra e na 3ª edição da USO.