No calor da emoção
Adriano B. Espíndola Santos
Fortaleza, Ceará. Em 2018 lançou seu primeiro livro, o romance “Flor no caos”, pela Desconcertos Editora; e em 2020 os livros de contos, “Contículos de dores refratárias” e “o ano em que tudo começou”, ambos pela Editora Penalux. Colabora com a Revista Samizdat. Tem textos em revistas literárias nacionais e internacionais. É advogado civilista-humanista. Mestre em Direito. Especialista em Escrita Literária. Membro do Coletivo de Escritores Delirantes. É dor e amor; e o que puder ser para se sentir vivo: o coração inquieto.
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Caótico. Sim, por mais que eu tentasse amenizar, ou tentasse me esconder, Ronaldo era ca-ó-ti-co. Um cara que entrou no meu trabalho, segurando um buquê, e, por não ser atendido, jogou-o na cara do meu chefe, que estava entrando no exato momento, só pode ser absolutamente caótico e perigoso. Depois de tudo, quando voltei para casa, o santo ainda me ligou para dizer que não tinha atirado o buquê no meu chefe porque eu não o atendi, e sim porque queria se vingar por mim; porque, tolamente, eu teria dito que não aguentava os melindres e as exigências de um sujeito de mal com o mundo e que vive de veneta.
Um porco mata um homem
Valdeck Almeida de Jesus
Valdeck Almeida de Jesus é escritor, poeta e jornalista. Tem textos publicados em inglês, português, italiano, alemão, holandês, francês e espanhol. Embaixador do Parlamento Internacional de Escritores da Colômbia, Membro-fundador da União Baiana de Escritores – UBESC e do Fala Escritor (2009). Participa do Conselho Diretivo do Plano Municipal do Livro, da Leitura e da Biblioteca de Salvador, e do grupo de pesquisa Rede ao Redor, do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Professor Milton Santos – IHAC/UFBA.
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O porco escolhe um homem que foi engordado para o abate.
Chama ele para o fundo do quintal, longe das vistas dos seus semelhantes.
Separa uma faca bem amolada, marreta, cordas para imobilizá-lo e bacias para depositar as partes.
sem título
Iamni
Iamni nasceu em Curitiba em 1991. É mestre em Estudos Literários pela UFPR e doutoranda no Programa de Teoria e História da Literatura na UNICAMP, com pesquisa sobre o feminino e a tradução em Jacques Derrida. Edita, junto com o poeta Alexandre Gil França, a Mathilda Revista Literária. De dentro do ônibus um aceno (Urutau, 2021) é seu livro de estreia.
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a primeira vez que concordei
estava sem querer
criando a minha submissão
“Amante em Tempos de Isolamento Social”
Isabela Righi
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Uma releitura de “Os Amantes”, René Magritte.
A Atrocidade
Gabriel Figueiraes
Amante da literatura e filosofia. Participante da Academia de Letras do Mackenzie (ALEMACK). Três publicações: uma no Jornal Prédio 3, de título Gato Preto; mesmo texto que me fez ganhar o concurso Epopéia Podcast; e, por fim, tive meu ensaio filosófico, “Melancolia, a doença racional”, publicado na revista de ensaios da Escola Vera Cruz. Instagram:@gabrielfigueiraes. Site: medium.com/@tcpangs
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Foi quando Piatã desesteve na Oca que o plural se assustou, se repartiu. Eu mesmo lembro do frio que meu ventre sentiu. Os mais joviais tomaram o partido de Cauã; os mais vividos – me ajunto – contrastaram. Mesmo assim, na manhã, saímos todos a procurar Piatã, parte do plural. Ele não era de fácil encontro, não; saímos no comecinho-da-luz, ficamos até começo de tarde. Quando encontramos tínhamos fome, mas só de ver a cena ela passou com o vento. Te digo: não era nada bonito. Aquilo não era feito de animal comum, aquilo era fruto do puro ódio. Sei lá eu a bondade da sua tribo, mas sei que não difere demais da bondade que carrega a minha; ou melhor digo: carregou.
Desavença
Julio Tude d´Avila
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A aula de Biologia começa a me deixar incrivelmente duro, e dou aos banheiros da escola um uso original. Serei universal.
Filmo mulheres em planetários, na Pinacoteca, em chapadas, planícies, em cima de mapas-múndi, em museus, e sofro para conectá-las com matemática e química, então acabo só filmando as meninas da minha sala, tentando deixar as equações do quadro à mostra.
Poemas
Anielson Ribeiro
nasceu em Juazeiro, Bahia, em 1994. 26 anos de sertão nordestino. Poeta antidadaísta. Tem formação em Língua Portuguesa e suas Literaturas (UPE). Sobrevive de empregos mal remunerados desde que professor se tornou uma profissão liberal. Vive o atravessamento na inconsistência das fronteiras interestaduais entre Petrolina (PE) e Casa Nova (BA). Perante todo esse tumulto de idas e vindas, ganhos e perdas: escreve. E isso reverbera em sua escrita. Tem textos publicados em diversas revistas, como mallarmargens, Ruído Manifesto, Amaité poesias & cia, LavraPalavra e na 3ª edição da USO.
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quando tudo isso acabar meu país ainda será
um túmulo recoberto de paranoia. van gogh
ainda terá decepado sua orelha; anne frank
terá escrito um diário & eichmann ainda terá tido filhos
quando tudo isso acabar. mas então como distinguir
o que é fim e o que é caminho?
quando tudo isso acabar. repita comigo:
“q u a n d o t u d o i s s o a c a b a r”:
a esperança será nossa sentença
a agonia, nosso recesso.
Eu me programo para eu chegar no horário combinado para a minha entrevista de emprego, o que é fundamental
Drump Goo
drump goo tem mestrado em Teoria e História Literária pela UNICAMP, traduziu Grandes Esperanças, um romance de Kathy Acker, mantém o site-poema hiperpopeia, a banda Bandidos da Luz Vermelha e o projeto noise-performance AVC-LTDA, dirigiu o curta-metragem SERPÓ (2017), publica zines independentes desde 2009, tem passado manuais de instrução para a primeira pessoa do singular para otimizar a existência de um EU que não lírico nem autobiográfico e evita escrever a maior parte do tempo.
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Eu sempre me levanto quando o meu entrevistador entra. Se eu não me levanto, isso pode ser interpretado pelo meu entrevistador como falta de empatia ou de educação por minha parte.
Eu me levanto e cumprimento o meu entrevistador com um aperto de mão firme (eu não preciso esmagar a mão do meu entrevistador, mas não vale aquele meu aperto de mão frouxo e desanimado). Na hora de cumprimentar o meu entrevistador, mostro o meu sorriso, a minha fisionomia aberta e receptiva, eu olho no seu olho e crio uma conexão com a pessoa que vai conduzir a minha entrevista.
Normalmente os meus entrevistadores tentam me deixar à vontade pelo menos uma vez. Caso me pergunte “Você está nervoso?” e eu estiver, posso dizer que estou um pouco, mas não estendo o assunto e nem acho que com isso tenho uma desculpa para agir de qualquer jeito. A chave aqui está em eu procurar me recompor rapidamente e mostrar que tenho controle emocional.
Duas e meia
Santiago Segundo
Escritor, publicou seu romance de estreia “Estômago” em 2017. Pesquisa Franz Kafka e Literatura Cibernética como mestrando pela PUC-SP.
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pronto, chegamos, eu digo. ele geme um ronco esofágico denotando desconforto. ao começar a ajeitar o seu corpo no sofá, suas fossas nasais expostas e seus bulbos olfativos se aproximam de meu ouvido. é quando escuto o sibilo que vem de dentro do seu organismo, o seu autêntico ruído.
Palafita
Santiago Segundo
Santiago Segundo é escritor, publicou seu romance de estreia “Estômago” em 2017. Editor de Literatura da Revista USO. Pesquisa Franz Kafka e Literatura Cibernética como mestrando pela PUC-SP no programa de Literatura e Crítica Literária.
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penso nos meus filhos. a ideia de gerar uma criança é chamada de reprodução. esse nome precede da ideia que estamos produzindo a nós mesmo. todos sabemos que isso não é verdade. estamos produzindo a espécie, e a espécie nega o lugar de qualquer um, até do ser mais monstruoso que seja. ou você ama ou não.
LEGADO
Francisco Gomes
Francisco Gomes (Campo Maior–PI, 1982). Vive em Teresina–PI. É poeta e músico. Autor do CD “Diafragma – Poemas em áudio” (formato físico, 2018; formato digital, 2020). Além de obras inéditas e em construção, publicou 4 livros, entre eles: Poemas Cuaze Sobre Poezias (FCMC, 2011) — 1º lugar na categoria Poesia do Concurso Literário Novos Autores/2008, através da Prefeitura de Teresina — e O Despertar Selvagem do Azul Cavalo Domesticado (Multifoco, 2018). Edita o blog Pulso Poesia. Tem poemas em revistas, antologias, sites etc. Dedica-se cotidiana e arduamente à poesia, num trabalho de pesquisa, leitura, contemplação e escrita.
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O mundo em seu caos harmônico
continuará vivo pulsando futuro
e o desespero ao alcançar o toque
já não suspirará nem agredirá
a vontade voluntária do autoisolamento.
O mundo em seu amanhã tão esperado
irá expor as faces devastadas
: resquícios mútuos de medo
ainda nos acompanharão de mãos dadas
mesmo na certeza do não uso obrigatório
de máscaras descartáveis ou personalizadas.
Talvez Migliaccio pensasse num mundo diferente
do mundo que pensaria Michael McClure.
Talvez não.
Poema depois do amor
João Mostazo
João Mostazo nasceu em São Paulo, em 12 de novembro de 1991. Poeta, dramaturgo e tradutor, escreveu e produziu os espetáculos Fauna Fácil de Bestas Simples (2015), A demência dos touros (2017) e Roda Morta: uma farsa psicótica (2018). É autor, ainda, das peças teatrais CÃES (2018) e Garra no meio do nada, com a qual foi finalista do prêmio Nascente em 2018, e do livro Poemas para morder a parede (editora 7Letras, 2020), do qual foram retirados os poemas aqui publicados.
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Acontece de as coisas serem assim;
de o clarão, às vezes escuro, detonar a bomba precoce
antes que o céu fique pronto.
Acontece de o buraco voltar
e a gente nem perceber que o ladrão entupiu,
que o tempo virou,
que ficou uma sacola pra trás, pendurada, cheia de sangue e de fezes falsas.
Se a gente pudesse se entender no grito,
se a gente pudesse se anular
no bafo, no mel, no sólido…
Mas o mundo conserva um silêncio
e você não descobriu
o porquê, nem o quê.
Seu canhão pessoal tem a todos por mímicos – você é imune.
Você está no meio de tudo.
Seu metrônomo puro sangue, seu coração, sua força…
De nada te serve entortar um facho de luz
como quem forja uma espada com os olhos.
Nunca Houve Coisa Mais Bela
Felipe Alves
Felipe Alves tem 24 anos, é comunicólogo com atuação na produção de eventos culturais desde 2014 e fotógrafo por hobbie. Publica textos e livros de forma independente na web desde 2015.
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Como me esforço para não reparar. Aí, bem no ponto! Vamos seguir pela travessa, bem de va ga ri nho. Puxando a fumaça soltando em direção à lua. Veja ela e traseiro, do canto, rebolando com a saia xadrez, fingindo que existe outra coisa pra se olhar. Risos. Deus me tenha! De tudo, não deixo de ser o sacana, o esnobe filho da puta a passear. Cigarro na boca, vinho na mão. Desgosto. Caminho livre, farol verde, passo lento, fingindo não reparar. Ela vem, atravessa, começa a olhar. E se eu for um estuprador, ela pensa, ou no mínimo deve pensar. Dodói da cabeça aos pés, mas não ao ponto de incomodar, que o diabo me permita uma pergunta rápida, cordialidade ao acaso, olhar fixado, passada da mão no cabelo, deslizar do lábio inferior, ou da licença, por favor, que é isso, pode me indicar onde fica o Shopping, o metrô, o bar mais próximo, pois estou morrendo por uma cerveja, uma pinguinha, uma carreira de pó qualquer. Um rato atravessa meu caminho, ó meu deus! A diferença entre a sarjeta e o laboratório é a ausência de um propósito, como dizem por lá, naqueles canais cultos. Meu amigo, Crusoé, terapeuta de casais, solteirão, barrigudo, falido e viciado em codeína, sempre me diz para não buscar mulher que se ande depois das onze pelos cantos da República.